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Ouça a crônica: As luzes que meus olhos procuram – Luiz Fernando Cheres

Ouça a crônica: As luzes que meus olhos procuram – Luiz Fernando Cheres
  • Publishedsetembro 14, 2021
          “A cidade que amamos é uma coisa estranha, não nos pertence, muitas vezes nem é fiel, mesmo assim a gente a ama, e ficamos de coração partido se algo dá errado, não funciona bem”, escreveu Luiz Fernando Cheres. (Foto: Mario Hirano)

Confira a interpretação da crônica ‘As luzes que meus olhos procuram’, escrita por Luiz Fernando Cheres, em homenagem aos 198 anos de Ponta Grossa.  A cidade completa comemora aniversário nesta quarta-feira, 15 de setembro.  A crônica foi ao ar no Jornal Falado Clube desta terça-feira (14),em edição especial. O quadro vai ao ar sempre nas sextas, das 12h às 13h.

A interpretação é da jornalista Mareli Martins. A edição é do músico e sonoplasta, John Elvis Ribas Ramalho Junior.

Cheres faz uma viagem pela sua infância até chegar à idade adulta, lembrando as emoções vividas na cidade de Ponta Grossa.

“Corriam os loucos anos 60 e eu era apenas uma criança. Longe da contracultura, do feminismo, dos festivais de música e da Guerra Fria, ao menino interessava brincar na rua, importava chutar bola, e o bom mesmo era viajar, quase sempre de trem, para a casa dos avós. A ida era uma festa, o passeio era uma festa, mas a volta tinha também um sabor especial. Em geral, a volta era no início da noite, e, da estrada de ferro, ainda ao longe, se viam as luzes da cidade, as luzes da minha cidade: Ponta Grossa”, escreveu Cheres.

Para o escritor, por melhor que seja a viagem, o retorno à Ponta Grossa é sempre o melhor destino.

“E ainda hoje, sempre que volto de viagem, os meus olhos procuram, nas luzes da cidade, as luzes da minha rua, da minha casa, as luzes que, num dia perdido no tempo, minha tia deixou acessas, talvez apenas para no futuro iluminarem antigas lembranças nos olhos de um homem que um dia foi menino”.

Informações sobre a crônica:

Título: As luzes que meus olhos procuram

Autor: Luiz Fernando Cheres

Cheres é escritor de Ponta Grossa, funcionário aposentado da Caixa Econômica Federal e é membro da Academia de Letras dos Campos Gerais

Interpretação: Mareli Martins

Edição: John Elvis Ribas Ramalho Junior (músico e sonoplasta)

Trilha musical de fundo: A field of flowers – Manuel Boltano

Trust Me – Manuel Boltano

Trilha musical final: Marcha a Ponta Grossa – Música: José Itiberê de Lima (Casusa), letra: Prof. Dario Nogueira dos Santos

CLIQUE NO LINK PARA OUVIR A CRÔNICA

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https://marelimartins.com.br/category/cronicas/

Crônica: AS LUZES QUE MEUS OLHOS PROCURAM

Autor: Luiz Fernando Cheres

    Nos aniversários de quem amamos, é normal se lembrar do aniversariante, e recordar alguma história, muitas vezes uma história antiga…

          Corriam os loucos anos 60 e eu era apenas uma criança. Longe da contracultura, do feminismo, dos festivais de música e da Guerra Fria, ao menino interessava brincar na rua, importava chutar bola, e o bom mesmo era viajar, quase sempre de trem, para a casa dos avós. A ida era uma festa, o passeio era uma festa, mas a volta tinha também um sabor especial. Em geral, a volta era no início da noite, e, da estrada de ferro, ainda ao longe, se viam as luzes da cidade, as luzes da minha cidade: Ponta Grossa.

          E a inocência infantil ficava perguntando: qual dessas muitas luzes é a luz da minha casa? Onde está a minha casa?

          Em casa ficara a tia, ela devia estar com a luz acesa, fazendo a janta… E o meu coração se aquecia por saber que logo logo estaria no meu quarto, com meus brinquedos, bem pertinho da minha escola e dos meus amigos.

          Naquela época, eu não sabia, mas estava vivendo a sensação de pertencimento e de comunhão que a gente tem em relação a nossa terra. Afinal, aqui, o dono do armazém dava balas para o filho do carteiro, e perto do campo do Guarani morava a mulher que presenteava o piazinho da D. Antônia com butiás, bolo de fubá e pitangas. Isso sem falar da montanha de cepilho da serraria, do descidão para rolimã e do riozinho para nadar pelado, pois aparecer em casa com a roupa molhada seria castigo na certa. Até hoje, se viajo, por melhor que seja o passeio, tenho uma alegria profunda quando volto, e sei: estou novamente em casa, retornei ao meu lugar, ao lugar onde a moça da padaria me atende sorrindo, o caixa do banco não me pede a identidade, o pessoal da Rua XV me chama pelo nome e o garçom de Av. Munchen sabe qual é a minha cerveja preferida.

          Eu sei, a cidade mudou, tudo muda; sempre fico triste se estão demolindo uma construção antiga, se fecha um comércio tradicional, se cortam uma árvore da praça. É quase como a morte de um amigo. Mas, com certeza, meu pai também sofreu quando fechou o clube onde ele conheceu minha mãe; o pai de meu pai lamentou a troca da maria-fumaça em que trabalhou por uma moderna locomotiva; e o pai do pai de meu pai chorou a formidável tempestade de granizo que destruiu muitas casas de Ponta Grossa, no fatídico 11 de setembro de 1906.

          A cidade que amamos é uma coisa estranha, não nos pertence, muitas vezes nem é fiel, mesmo assim a gente a ama, e ficamos de coração partido se algo dá errado, não funciona bem.

          Por outro lado, é uma alegria cada conquista da cidade amada. Se surge um novo parque, ou um parque antigo é revitalizado, nosso coração explode de tão feliz. Uma vitória do Operário é motivo de festa. A vinda de uma empresa, gerando muitos empregos, enche nosso peito de orgulho. Quanto a mim, fico feliz por razões que muitos nem notam: se as ruas estão limpas, a poluição diminuiu, há flores na praça, as pessoas sorriem, se aquela criança que ficava pedindo esmola na esquina, agora não está mais ali, porque passa o dia todo na escola.

          Uma boa cidade não se faz só com grandes obras. Uma cidade feliz pode ser feita com pequenas ações, ações que qualquer um de nós pode ter a iniciativa de começar.  E ainda hoje, sempre que volto de viagem, os meus olhos procuram, nas luzes da cidade, as luzes da minha rua, da minha casa, as luzes que, num dia perdido no tempo, minha tia deixou acessas, talvez apenas para no futuro iluminarem antigas lembranças nos olhos de um homem que um dia foi menino.

          E pensando nisso, o homem que um dia foi menino, esse homem hoje diz: feliz aniversário, minha amiga, minha amada de toda uma vida, minha cidade de Ponta Grossa!

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