Sem licitação, Prefeitura de Ponta Grossa contrata mais um cantor evangélico para show


A Prefeitura Municipal de Ponta Grossa oficializou, por meio do Termo de Inexigibilidade de Licitação nº 110/2025, a contratação do cantor gospel Marcus Salles para a Marcha para Jesus, marcada para o dia 1º de novembro.
O evento, que acontece em vários lugares ao redor do planeta e se autodeclara “o maior evento popular cristão do mundo”, em Ponta Grossa terá concentração às 17h na Praça Barão de Guaraúna e percorrerá as principais ruas da cidade.
A contratação, no valor de R$ 80 mil, reacende o debate sobre o respeito à laicidade do Estado e a destinação de recursos públicos para eventos de cunho religioso.
Marcus Salles se apresenta nas redes sociais como pastor da Igreja Projeto Vida Nova/Tenda do Leão, de Campo Grande (RJ), além de cantor e escritor. Sua presença como atração principal da Marcha para Jesus em Ponta Grossa reforça o caráter evangélico do evento, que, embora se autodenomine “ecumênico”, é restrito às igrejas cristãs, especialmente do segmento evangélico.
Até o momento, não há registro de participação de artistas ou líderes religiosos católicos nas edições anteriores do evento, tampouco nesta.
A Marcha para Jesus em Ponta Grossa não possui uma organização central definida. Diversas denominações evangélicas têm divulgado convites nas redes sociais, com mensagens como: “Igrejas, ministérios, famílias e todos os que amam a Cristo: esta marcha é pra você! Não fique de fora. Vamos juntos levantar o nome de Jesus!”
A ausência de pluralidade religiosa e de representatividade de outras crenças levanta questionamentos sobre o uso de verba pública em um evento que não contempla a diversidade religiosa da população.
A contratação de Marcus Salles ocorre semanas após a realização do evento “Fé Ponta Grossa”, também promovido pela Prefeitura, que contou com shows exclusivamente evangélicos e teve um custo de R$ 1 milhão. Na ocasião, o Ministério Público solicitou esclarecimentos sobre a legalidade da destinação de recursos públicos para um evento de caráter religioso e sobre a ausência de representatividade de outras denominações. Apesar da cobrança, o evento foi realizado sem alterações em sua programação.
A reincidência na contratação de artistas evangélicos com recursos públicos, sem a inclusão de outras expressões religiosas, levanta suspeitas sobre a violação do princípio constitucional da laicidade do Estado. A Constituição Federal de 1988 estabelece que o Estado brasileiro é laico, ou seja, não pode privilegiar nenhuma religião em detrimento de outras.
A repetição de eventos com exclusividade evangélica patrocinados pela Prefeitura de Ponta Grossa pode configurar favorecimento institucional a um segmento religioso específico.
Além disso, a ausência de licitação para a contratação de Marcus Salles, justificada pela inexigibilidade, também merece atenção. Embora a legislação permita esse tipo de contratação em casos específicos, como quando há notória especialização do contratado, o uso recorrente desse mecanismo em eventos religiosos pode indicar falta de transparência e de critérios objetivos na escolha dos artistas.
A falta de informações sobre a participação de outros artistas ou denominações religiosas na Marcha para Jesus reforça o caráter excludente do evento. Em uma cidade plural como Ponta Grossa, espera-se que ações culturais e religiosas promovidas com recursos públicos respeitem a diversidade de crenças e garantam espaço equitativo para todas as manifestações religiosas.
A realização da Marcha para Jesus com financiamento público e exclusividade evangélica não é um caso isolado. Ela se insere em um contexto mais amplo de aproximação entre instituições públicas e segmentos religiosos específicos, o que pode comprometer a neutralidade do Estado e gerar conflitos sociais.
Diante desse cenário, cabe à sociedade civil e aos órgãos de controle, como o Ministério Público, acompanhar de perto a destinação de recursos públicos e cobrar transparência, pluralidade e respeito à laicidade nas ações do poder público.
A Marcha para Jesus, embora legítima como manifestação religiosa, não pode ser financiada de forma exclusiva por um governo que deve representar todos os cidadãos, independentemente de sua fé.
Contratação foi feita com dispensa de licitação
Com a colaboração de Eder Carlos Wehrholdt, estagiário de Jornalismo, conforme convênio de estágio firmado entre o Portal Mareli Martins e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).