
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) protocolou nesta quarta-feira (22) uma representação no Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) solicitando a suspensão imediata do contrato nº 58128/2025, firmado entre a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) e a Google Cloud Brasil. Avaliado em mais de R$ 600 milhões, o acordo é acusado de violar princípios legais e colocar em risco a soberania digital do Estado.
Segundo o documento apresentado pelo presidente estadual do PSOL, Laerson Vidal Matias, a Celepar estaria atuando como “revendedora independente” dos serviços da multinacional, desvirtuando o instituto da “oportunidade de negócio” previsto na Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016). Essa prática, segundo o partido, permite que outros órgãos públicos contratem diretamente o Google sem licitação, o que configuraria uma burla ao dever de licitar e à competitividade exigida pela legislação.
A denúncia aponta que a Celepar celebrou o contrato com a Google sem realizar os estudos técnicos obrigatórios, como o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI). Também não teria sido feita análise de alternativas de mercado, como soluções da Microsoft ou plataformas de código aberto. Para o PSOL, essa ausência de planejamento compromete a transparência e a eficiência da contratação, além de expor o erário a riscos financeiros e operacionais.
Como exemplo da prática de revenda, o partido cita o contrato nº 64323 entre Celepar e Sanepar, no valor de R$ 20,9 milhões, para aquisição do Google Workspace. O ajuste foi realizado com base na “inaplicabilidade de licitação”, o que, segundo o PSOL, reforça a tese de que a Celepar está atuando como intermediária comercial da Big Tech, sem justificativa legal válida.
Cláusulas assimétricas.
A representação também denuncia cláusulas contratuais consideradas leoninas e prejudiciais ao Estado. Entre elas, estão dispositivos que permitem ao Google alterar unilateralmente preços e regras do programa, descontinuar produtos sem aviso prévio e acessar dados de clientes da Celepar. Além disso, a estatal assume amplas obrigações de indenização, enquanto a responsabilidade da Google é limitada.
Outro ponto crítico levantado pelo PSOL é o risco à soberania digital. A ausência de data centers da Google no Brasil e a possibilidade de transferência internacional de dados, especialmente sob a vigência do CLOUD Act dos Estados Unidos (lei federal dos Estados Unidos, aprovada em 2018, que permite às autoridades policiais americanas solicitar dados de empresas de tecnologia americanas, mesmo que os dados estejam armazenados em servidores fora do território dos EUA), colocariam em risco a privacidade dos cidadãos paranaenses e a autonomia do Estado sobre suas informações públicas.
A denúncia também menciona possíveis conflitos de interesse e influência de lobby de grandes empresas de tecnologia. O partido destaca a participação do secretário de Inovação, Alex Canziani, na aprovação do uso da plataforma Google Workspace pelo Conselho Estadual de Tecnologia da Informação (CETIC-PR). Canziani é pai da deputada federal Luisa Canziani (PSD-PR), presidente da Comissão de Inteligência Artificial da Câmara, que visitou a sede do Google no Vale do Silício sem registro formal de afastamento em missão oficial.
Segundo o PSOL, esse contexto levanta suspeitas sobre a influência indevida de interesses privados na formulação de políticas públicas e decisões de contratação, especialmente em um cenário de iminente desestatização da Celepar.
Pedidos e providências solicitadas
Na representação, o PSOL solicita ao TCE-PR a suspensão imediata do contrato com a Google e de todos os instrumentos derivados, como o acordo com a Sanepar. Também requer a proibição de novas contratações com base no mesmo modelo, a instauração de auditoria técnica sobre legalidade, equilíbrio econômico-financeiro e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), além do encaminhamento do caso ao Ministério Público, caso sejam constatadas irregularidades de natureza penal.
“O Paraná está se tornando um caso emblemático de privatização disfarçada da tecnologia pública”, afirma Laerson Matias. “Se o contrato não for suspenso, abriremos um precedente perigoso em que o Estado deixa de ser dono de seus próprios dados.”
Documentos e provas
A denúncia é acompanhada de diversos documentos públicos, como os extratos dos contratos com a Google e a Sanepar, ata do CETIC-PR, regulamentos internos da Celepar, reportagens jornalísticas e decisões anteriores do TCE-PR e do TCU que reforçam a interpretação restritiva do instituto da “oportunidade de negócio”.
Com base nesses elementos, o PSOL sustenta que há fortes indícios de gestão temerária, prejuízo ao erário e violação de princípios constitucionais, o que justificaria a intervenção imediata do Tribunal de Contas.
Com a colaboração de Eder Carlos Wehrholdt, estagiário de Jornalismo, conforme convênio de estágio firmado entre o Portal Mareli Martins e a Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG).