
A auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou irregularidades graves nos serviços de litotripsia (tratamento para pedras nos rins) oferecidos pelo Sistema Único de Saíde (SUS), no Estado do Paraná, entre 2015 e 2023.
Conforme a CGU, as irregularidades podem ter causado um prejuízo estimado em R$ 52 milhões aos cofres públicos.
O levantamento aponta falhas nos controles internos da Secretaria de Saúde Estadual (SESA/PR) e indica pagamentos indevidos por procedimentos não realizados ou realizados com uso inadequado de códigos e laudos médicos.
A litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC) é o procedimento mais comum para o tratamento de cálculos renais, utilizando ondas sonoras para fragmentar as pedras nos rins ou vias urinárias.
O Paraná concentrou, em 2022, 41% dos procedimentos realizados no país, com quase 600 mil casos entre 2015 e 2023 e um gasto total superior a R$ 97 milhões.
O Portal Mareli Martins teve acesso exclusivo ao relatório final da auditoria da CGU. Nele consta, por exemplo, que a Sesa/PR efetuou pagamentos, de mais de R$ 15 milhões, à clínica Instituto do Rim de Ivaiporã (sede e filial) sem contrato formal até 2017, contrariando a legislação e gerando inseguranças sobre a efetiva prestação dos serviços.
Além disso, Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APACs) foram aprovadas e pagas com base em laudos médicos extemporâneos, duplicados ou até ausentes, não comprovando a necessidade dos tratamentos.
O relatório destaca que “A aprovação das APACs sem a correspondente análise dos laudos criou um sistema, praticamente automático, no qual todas as APACs emitidas pelas clínicas de litotripsia dos municípios verificados, Ivaiporã, Guarapuava e União da Vitória, coincidentemente todas de propriedade dos mesmos sócios administradores, tiveram todas as suas APACs aprovadas.”
Outro aspecto foi o uso incoerente dos códigos para litotripsia no Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS), com a maioria das clínicas cobrando as quantidades máximas permitidas destes procedimentos, mesmo sem evidências claras da real necessidade, superando em muito a média nacional tanto em volume quanto em custo.
Em 2022, o Paraná usou 40% do total gasto no procedimento em todo o Brasil, diz o relatório. E as unidades auditadas em Ivaiporã, Guarapuava e União da Vitória destacaram-se por apresentar esses indícios de irregularidades e crescimento incomum nas autorizações e pagamentos.
A tecnologia empregada na litotripsia também foi questionada. As clínicas utilizam aparelhos antigos, orientados por Raio-X, com baixa eficácia no tratamento, o que resulta na necessidade de múltiplas sessões para cada paciente, prolongando e aumentando os custos.
O relatório destaca que equipamentos mais modernos, orientados por ultrassom, com melhores resultados, estão disponíveis apenas na capital e região metropolitana. Porém não possuem valor diferenciado no SUS, desestimulando a modernização dos serviços.
Além disso, os controles atuais “não permitem assegurar que os procedimentos pagos foram efetivamente realizados com os quantitativos indicados pelas clínicas”, diz o relatório.
O Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa/PR) reconheceram as fragilidades apontadas e informaram que medidas estão em andamento para aprimorar os controles, incluindo o desenvolvimento de protocolos e auditorias internas focadas na regularização dos serviços e na fiscalização dos procedimentos realizados.
A Sesa também destacou esforços para aperfeiçoar os sistemas informatizados de autorização e pagamento de procedimentos.
Ao final, o relatório sugere a adoção de mecanismos mais rígidos de controle, como a exigência obrigatória de laudos atualizados, a comprovação da efetiva realização dos procedimentos, e o incentivo à utilização de tecnologias mais modernas para garantir eficiência clínica e economia ao Sistema Único de Saúde.
Veja o relatório
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O que diz a Secretaria de Saúde do Paraná
O Portal Mareli Martins questionou a Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa) quanto ao relatório da auditoria da CGU sobre o problema. Por meio de nota, a Sesa respondeu que colaborou realizando sete auditorias e que atuou em parceria com a CGU na investigação.
Veja a nota da Sesa
A Secretaria da Saúde iniciou um mapeamento sobre a litotripsia em 2022 e constatou um crescimento acentuado de procedimentos no Paraná. Prontamente a pasta mandou um memorando circular para as 22 Regionais de Saúde e seus municípios reforçando os critérios necessários para autorização dos procedimentos no SUS.
A Secretaria da Saúde também iniciou sete processos internos de auditorias para analisar os casos realizados em clínicas de Ivaiporã, Irati, Ponta Grossa, Cornélio Procópio, Paranavaí, Guarapuava e União da Vitória. Este processo inclui o levantamento de dados, análise de contratos, além de visitas e reuniões presenciais.
A CGU pediu acesso ao sistema de controle de procedimentos do Estado em 2023 e passou a trabalhar em parceria com a Sesa nesta investigação.
As sete auditorias estão em fase final e os resultados serão encaminhadas às clínicas para manifestação. Se comprovadas irregularidades, serão instaurados Processos Administrativos de Apuração de Responsabilidades para busca de ressarcimento de valores ao SUS, além de aplicação de multa e eventuais punições da lei de licitações.
O Estado possui contratos ativos com 11 serviços para procedimentos ambulatoriais de litotripsia. Há ainda 27 hospitais cadastrados que realizam este procedimento a nível hospitalar ou ambulatorial. Estes dados excluem os municípios de gestão plena, que podem contratar e definir fluxos específicos para a realização destes procedimentos.
Com a colaboração de Eder Carlos Wehrholdt, estagiário de Jornalismo, conforme convênio de estágio firmado entre o Portal Mareli Martins e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).